— Você sabe se o Parangaba/Mucuripe passou recentemente?
— Passou agorinha. Mas passa outro rapidinho.
— Quer ir ao culto comigo?
— Não curto muito. Valeu pela proposta.
— Beleza. Quando quiser, avisa. Lá eu me sinto melhor do que em qualquer lugar. Isso não é psicológico, é real! Como é seu nome mesmo?
— Virgulino. Sim, eu boto fé.
— Você já foi lá?
— Com certeza não.
— Fica na Av. Washington Soares.
— Eita! Bem longe, né?
— Ao lado do novo shopping.
— Ah, acho que já vi.
— Ao lado daquela boate também.
— Sim, sei.
— Depois da farmácia.
— Sei onde é. Longe pra burro. Não gosto muito daquele bairro.
— Mas tem um núcleo pertinho, no bairro da Parangaba.
— Sei onde é também. Mas tem engarrafamento, né?
— Igreja como essa é rara. Eu não tenho cargo lá. Dá até pra assistir live dos cultos. Onde mais eu acharia isso?
— Verdade. Coisa rara.
— Atenção individual! Células pequenas.
— Legal.
— É. Mas quanto menor melhor.
— Claro, claro. Mas eu não sei nem o número do ônibus que eu teria que pegar.
— Sem numerologias.
— Mas eu falei do ônibus.
— Qual ônibus? O seu?
— Não, não. O que eu teria que pegar.
(…)
— Sabe de quanto foi o jogo do flamengo ontem?
— 3x0 para o galo.
— KOINONIA!
— KOINONIA?
— Grego. Convivência. Ligação. Para vencer uma paixão só tendo uma maior ainda. Deus é a maior paixão.
— Como assim?
— Amanhã tem PIROL lá na igreja. Quer ir?
— PIROL? Estarei no trabalho. Trabalho até tarde, amanhã.
— É à noite. Tem van gratuita da igreja. Vai ser um treinamento avançado de líderes de células. Você vai adorar. A sessão passada foi sobre rezas e terços. Ah, e o melhor, se não quiser não precisa pagar nada.
— Deus me livre. Eu realmente não tenho o mínimo de interesse. Estou surpreso por ter quem pague.
— O CONTRÁRIO. NÃO PRECISA PAGAR NADA.
— Sim, sim.
— A gente se fala lá, então.
— Oi?
— Você disse “deus me livre”?! Ambíguo, não?
— Um pouco.
— Paradoxalmente ambíguo. Como -1 vezes -1.
— Humm.
(…)
— E as horas?
— Quê que tem elas?
— Que horas são?
— Dez para as sete.
— Posso contar contigo na igreja, né? Não fica encucado. Vai tranquilo.
— Vai pra onde? Acho que você não está entendendo, meu jovem.
— Você escolhe, eu vou. Ninguém vai te prender lá. Você precisa dele! Você precisa de Deus!
— Escolher o que? Hã?
— Amanhã. PIROL, na igreja da Parangaba, às 19h.
— Amigo, não sei o que é PIROL na Parangaba. Amanhã o dia vai ser pancada, só devo chegar umas 22h em casa.
— Lá vai até às 23h.
— Tenho até futebol no mesmo horário.
— Futebol você vai ter sempre. Isso é algo ESPIRITUAL. Se não gostar, fica livre. Qual amigo teu te chama para ir à igreja até hoje?
— Acho que nenhum.
— E para festa? Todos, não é mesmo?
— Exato. Por isso são meus amigos.
— Você acha que quando algo é melhor vão espalhar assim? Pare para pensar.
— Não entendi. Mas não posso deixar meu time na mão.
— No mundo é cada um por si e Deus nem existe. Na igreja é um time de VERDADE.
— Sim, sim. Ouvi dizer. E ainda tem minha vó que precisa da minha companhia.
— Eu nem estou ganhando dinheiro ao te convidar.
— Ainda bem.
— Não é por pena. O mundo não tem novidade, mas a igreja tem. Parece o contrário. Os pecados são os mesmo desde antes de Cristo. Pare para pensar.
— Não sei se entendi…
— Madalena era prostituta, lembra? Fé é acreditar no que a bíblia diz mesmo sem ver.
— Lembro sim.
— Isso é mentira do diabo. REPREENDE EM NOME DE JESUS! Todos os pensamentos negativos são dele. Ele ja é um derrotado e você não.
— Mas eu nã….
— Meu ônibus chegou, tenho que ir. Te espero lá, beleza?
— Eu não vou.
(…)
— Eu sigo a Deus e só a ele!
— M-mas… V-você não tinha ido embora?
— Não era meu ônibus. Engraçado, né?
— Ô.
— Nenhum pecado me separará de Deus. Por que “não muito”?
— Ah, convenhamos. Não é muito engraçado.
— Por quê?
— Por que o quê?
— É, não é muito engraçado mesmo, me convenceu… Deus não prende, mas sim o homem. Deus não usa formas.
— Eu não acho que deus ousaria ir tão longe.
— Até onde ele foi?
— Até um passo antes de ter que usar formas.
— Pelo contrário, ele quer cada um do seu jeito.
— Mas foi o que eu disse.
— Agora é meu ônibus. A DECISÃO É SUA. Sei que te verei lá.
— Ok. Não vou.