Qualquer ser humano que já chutou uma bola de futebol sabe quem é Pelé. Uma curiosidade sobre o rei do futebol que poucos sabem, é o lance conhecido como “o gol que o Pelé não fez”, quando o craque, em mais um lampejo de genialidade, quase marcou do meio de campo um golaço.
O quase gol aconteceu na copa de 70, quando Pelé viu o goleiro adiantado, e arriscou um chutaço do meio do campo. A bola passou rente à trave esquerda do goleiro e entrou para a história como mais um momento inesquecível do maior jogador de todos os tempos. Isso, nos seus mais de 1000 gols há um que não foi feito que é tão importante quanto eles. Recebeu até certidão de nascimento e batizado e é assim que referimos todo gol feito ou não feito parecido com ele.
Pouco menos de 30 anos depois, nas peladas vespertinas nas ruas da glamorosa Fortaleza, um menino cuja intimidade com a bola em nada se assemelhava com a do rei, praticamente repete sua façanha durante uma pelada de travinha.
Travinha é assunto seríssimo. Pra criançada da época, era copa do mundo. Se o futebol é religião. Travinha é a primeira comunhão. Só que com menos de pedofilia.
Pros menos familiarizados, travinha é uma vertente do futebol moderno muito comum no Brasil e no mundo. Onde o futebol é jogado com menos pessoas, as traves são demarcadas por duas havaianas e o travessão é imaginário na altura dos chinelos. Geralmente mais baixo do que eles para que role confusão e o pau tore com muita frequência.
Cansei de criar e perder amigos e ter brigas em partidas memoráveis de travinha. Numa dessas partidas/brigas, aliás, eu aprendi que não é uma boa ideia dar um leve ajuste na bola que já está indo em direção ao gol. Principalmente se quem chutou foi seu irmão.
Explico. Meu irmão mais velho, bípede sem qualquer traquejo futebolístico, após uma jogada inexplicável de alto nível de habilidade surpreendeu todo mundo quando arriscou um chute, literalmente, do meio da rua. Lance tão plástico e de tanta distância, que faria o próprio Pelé sentir inveja.
Todo mundo, inclusive o time adversário, incrédulo com o que estava prestes a acontecer, ficou parado, atônito, enquanto a bola se encaminhava em direção ao gol. Ninguém tinha feito um gol de tão longe. Era questão de tempo até meu irmão ser coroado como o novo rei do futebol. Palavras que segundos antes seriam completamente inimagináveis numa mesma frase.
Naquele momento, ele era, sem exagero nenhum e merecidamente, um dos maiores nomes do futebol mundial. A galera já tava se reunindo pra abraçar ele, jogar ele pra cima e tal. Tinha senhorinha na rua passando mal de tanta emoção. O pessoal ao redor ligando pra família pra contar o que estavam vendo… Euforia total.
Mas havia uma pessoa que não estava 100% convencido que a bola entraria no gol. Este que vos escreve.
Apesar de jogar no mesmo time que meu irmão, achei mais prudente me assegurar e dar meu toque de graça. Minha benção. Só que, digamos que eu não tinha desenvolvido o dom do futebol ainda. Eu não era ainda o craque que sou hoje. Ou seja, errei um pouquinho o cálculo de força e eu isolei a bola. Tirei o gol e a consequente canonização inevitável do meu irmão. O que culminou em algo que todo irmão mais novo conhece bem: o amor fraterno representado em ódio brutal e sanguinário. Meu irmão partiu em disparada pra traduzir todo seu descontentamento em socos e decapitações.
Eu, que não sou besta e sei que é muito ruim ser espancado logo após jogar futebol, abandonei o campo e fugi o mais longe que deu. Fugi pra nunca mais voltar.
Semana que vem vai fazer 25 anos que não vejo meu irmão. Se alguém tiver o contato dele, manda um abraço.