Ricardo era um cara incompetente. Não fazia nada e ainda fazia errado.
Ele tinha paz com isso.
O problema era os outros. Eles não aceitavam que o Ricardo reconhecesse sua própria incapacidade.
Certo dia, conversando com sua namorada, Ricardo externalizou sua desqualificação. O piti não demorou. “Ninguém pode dizer isso de si mesmo” e “não pense assim” foram o tom da conversa.
Como resultado, noivaram e casaram em poucos meses. Eles nem se gostavam tanto assim, mas o Ricardo não conseguiu dar fim à relação.
Num almoço de domingo qualquer, enquanto se servia da feijoada da mãe e conversava com seus irmãos, o Ricardo anunciou o casório. Ele frisou que não queria nenhuma festa. “Que menino humilde” e “nós o criamos bem” falavam os pais um ao outro. A família bancou a cerimônia e o melhor pagode da cidade.
Ricardo odiava pagode.
No trabalho, há tempos o Ricardo não entregava sequer metade no dobro do tempo que se esperava. Discutindo com o chefe, deixou claro que estava insatisfeito com o próprio desempenho. Foi interrompido e acusado de portador de síndrome do impostor. “Se permita errar” e “nós estamos pedindo muito de você” dizia seu chefe enquanto se desculpava.
Ricardo foi promovido e teve um aumento de salário. Comprou o golf dos sonhos, mas não sabia dirigir muito bem.
Casado, com um bom emprego e um carro novo, Ricardo se queixava de não ser merecedor ao seu terapeuta. Após calar a sessão inteira, o psicólogo foi preciso no diagnóstico. “Chuto que é depressão”. “Você não chegaria onde chegou se não fosse capaz”. Com um atestado médico em mãos, o Ricardo ficou em casa por meses para se curar do burnout que sofria. O Ricardo não entendeu.
Diante sua incapacidade de fazer com que aceitassem sua incompetência, Ricardo decidiu cessar sua própria existência.
Mirou contra o próprio rosto e atirou.
Ricardo não conseguiu morrer. Vegetou até ser vencido pelo tempo. Na sua lápide:
“Aqui jaz Ricardo, Dedicado e competente marido, filho, paciente e funcionário.”