Além de satisfazer adolescentes nutrindo um improvável relacionamento amoroso com panicats, os sonhos movem negócios (que diga a playboy e a exploração financeira dos adolescentes) e até PIBs inteiros. Eles estão por trás de praticamente todos os grandes feitos humanos, como já diria Martin Luther King Jr., John Lennon e você, que ainda não se conformou que a vizinha do 205 é muita areia pro seu caminhãozinho.
Não é raro, no entanto, que sonhos duns sejam pesadelos de muitos outros, ou pesadelo até do próprio dono do sonho. Caso este, perfeitamente exemplificado a sequir. Não, isso não é um spoiler. Aliás, até é, mas antes fosse o que você tá imaginando e envolvesse uma estrela em ascensão da TV brasileira. Mas não, foi pior. Bem pior.
Quando eu era adolescente, minha turminha era meio metida a surfista. Ia pra praia pra passar horas lá no mar tentando pegar uns jacarés de vez em quando. A gente adorava. E, adivinhem só, nossa galera tinha um sonho, claro: pegar a mesma onda junto. Lado a lado. Tão perto que daria pra se abraçar. Não sei porque. Talvez pra olhar um pro outro enquanto isso, balançar a cabeça como quem diz: a gente conseguiu. A gente é foda!
Eu sei. É um sonho bosta. Mas eu era adolescente. Todo adolescente tem sonho bosta.
Mas as circunstâncias não eram favoráveis. Era muito difícil, muito raro. Vários fatores tinham que favorecer. A velocidade e a extensão da onda, a posição da galera no mar e obviamente a habilidade dos surfistas. E, pra falar a verdade, gente era meio bosta surfando também. Que nem nossos sonhos. Enfim, era algo muito remoto, mas isso não nos impedia de tentar. Não nos impedia de popular nossos melhores sonhos com a façanha.
E como isso aqui é um texto de humor e não de suspense, vou dizer o resultado logo de cara. Deu bom. Mas deu ruim também.
Num final de semana como qualquer outro, depois de dias fazendo merda nenhuma pra poder continuar sem fazer nada, fomos descansar com um merecido mergulho.
E mais uma vez a gente tava lá, falando merda e fazendo xixi no mar. Ou seja, “surfando” quando surge no horizonte ela, A ONDA PERFEITA. Os astros se alinharam e ali estava a oportunidade com a qual sempre sonhávamos.
Perto da onda, só haviam duas pessoas. Eu e um amigo que, por questões de discrição, vou chamar de Lômulo. Ia dar certo! A gente se posicionou certinho e remou como se não houvesse amanhã para conseguir pegar a onda. Tchaco tchado tchaco e… pronto. Conseguimos! Ao lado um do outro, como sempre sonhávamos. Aquele sentimento de glória tomou conta do nosso corpo. Finalmente, nosso sonho estava se tornando em realidade!
O sentimento durou apenas frações segundos.
A maré virou e logo o sonho de tantos anos se derreteu num pesadelo: eu passei o braço por cima do ombro do Lômulo e, na hora que ele foi passar o braço por cima do meu, deus mostrou quais eram os reais planos dele. Para o meu desespero, meu lado da onda ganhou mais velocidade do que o lado que o Lômulo estava.
A mão dele, em vez de encaixar em cima dos meus ombros, como orienta a primeira e única página da cartilha dos abraços, passou por baixo. Pelos meus suvacos. E piora, como eu estava mais rápido que ele, a mão dele, desimpedida por qualquer membro meu, passeia pelo meu corpo descendo rapidamente. Passa pelo meu peito e em milésimos já está no meu umbigo. Tudo acontece muito rápido. O sorriso que habitava meu rosto me abandona em desespero e sai gritando por aí, ao contrário do que fez a mão boba e confusa do Lômulo, que continuou sua peregrinação rumo a minha desonra, deslizando por cada centímetro. Minha pelvis, cada pelinho pubiano, toca na fimose e, finalmente, alcança a completa violação da minha para só então largar meu templo e sacramentar o roubo daquilo que até então era só meu.
Eu, ainda submerso, não sabia o que fazer. Se gargalhava por conta da galhofada ou se fingia que nada tinha acontecido. Tipo o governo Bolsonaro e as corrupções completamente não relacionadas com ele. Não sabia como o Lômulo ia reagir aquele nosso momento involuntário de intimidade maritma. Não sabia se ele tinha entendido o que tinha acontecido. Foi tudo muito rápido mesmo.
Quando a onda acabou, eu lá ainda desorientado do acidente, saí do mar procurando Lomulinho e constatei: ele definitivamente percebeu o que tinha acontecido. Assim que eu olhei pra ele, ele estava na areia da praia raspando a própria mão nas pedras que testemunharam o episódio, suplicando aos quatro ventos: alguém arranca minha mão fora.